terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
















E N T R E G A
Por Roberto Shinyashiki


Ser amado e amar significa “entrega em intimidade”, isto é, sintonia das emoções. Quando entregamos uma parte do nosso espaço e tempo à pessoa amada, não significa que perdemos nossa individualidade.

Entregar-se significa deixar de viver analisando, apegando-se a velhos preconceitos. É dar um salto no abismo, é acolher o novo de mente aberta.

Muitas pessoas não ousam sequer deixar o lar dos pais para estudar fora, com medo do novo, do imprevisível. Quando vão a uma festa, querem saber de antemão tudo o que vai acontecer. Quando estão com alguém, querem que as coisas aconteçam à sua maneira. Com isso, restringem-se a uma vida repetitiva.

Numa noite escura, um homem andava no meio de uma floresta. De repente, ele caiu. A única coisa que conseguiu fazer foi segurar-se em um galho. Quando olhou para baixo, só viu escuridão. Começaram então os pensamentos catastróficos: “Eu vou cair neste abismo e vou morrer... Este galho não vai agüentar, eu vou me machucar todo”. À medida que o tempo passava, o galho ia se desprendendo, e cada vez mais o homem se desesperava, com medo de cair e morrer. A claridade foi chegando com a manhã, e então ele percebeu que estava com os pés a apenas quarenta centímetros do chão e que todo o seu medo e sofrimento tinham sido infundados.

Assim fazem as pessoas que não se soltam das raízes do passado para voar em direção aos sonhos do presente. Ficam com medo de se arrebentar, quando, na realidade, o salto a ser dado tem pouco mais de quarenta centímetros: a distância que separa o cérebro do coração.

Este é o grande salto a ser dado: parar de viver o tempo todo se analisando e deixar de ouvir o “juiz” que existe na sua cabeça. Passar a viver os acontecimentos, em vez de ficar julgando a si mesmo, o outro e tudo o que está ocorrendo.

Muitas pessoas confundem entrega com submissão, o que é um erro, pois cada uma delas se origina em um ponto distinto da personalidade. Enquanto a entrega tem origem na autovalorização e é movida pelo amor, a submissão decorre de um sentimento de inferioridade e é mobilizada pelo medo.

Ser amado e amar significa “entrega em intimidade”, isto é, sintonia das emoções. Quando entregamos uma parte do nosso espaço e tempo à pessoa amada, não significa que perdemos nossa individualidade.

Na entrega, tornamo-nos transparentes para o outro, despidos de qualquer máscara, o que possibilita ao ser amado nos ver e nos sentir exatamente como somos.

Na entrega, é como se um pudesse ver o que o outro está pensando, porque estão sintonizados na mesma freqüência de sentimentos.

A confiança é o suporte básico para a entrega e necessita ser mútua, isto é, não pode ser unilateral num grande amor. Todos temos guardados, dentro de nós, nossos segredos, nossos sentimentos, nossas dúvidas, inquietações e medos; nossa genialidade, nossa criatividade, nossa beleza, sensualidade e sexualidade; todas as nossas verdades, vivências e experiências boas e ruins, que representam o nosso tesouro íntimo e que só nós conhecemos e fazemos questão de manter no fundo do nosso ser.

Entregar-se ao outro é presenteá-lo com a chave desse cofre, é transformá-lo num explorador e co-guardião dessas riquezas. E, na entrega mútua, os tesouros se fundem e se transformam num grande amor — cada um é depositário e depositante da riqueza dos dois. Nessa fusão, o par de amantes transcende e se integra no Universo.

Para muitos, isso pode parecer uma grande ameaça, porque a entrega implica comprometimento com o amor. Não se entregando profundamente a alguém, fica a pessoa se entregando aos pedacinhos a várias, o que representa desgaste, tensão e uma dicotomia muito grande. É feita uma oferta de chaves falsas, que jamais abrirão cofre nenhum.

Conseqüentemente, também são recebidas chaves falsas.
Muitas vezes nem nós mesmos conhecemos o nosso tesouro; esquecemos o seu segredo. Pode ser que só possamos ter acesso a ele através do amor e da entrega, porque a pessoa amada vai nos ajudar a ter coragem de mergulhar nas profundezas, sem medo do que possamos encontrar, e até mesmo nos tornar curiosos por descobrir mais.

Analisando o que temos feito na vida, vemos que, muitas vezes, nos preparamos para o banho, chegamos perto do mar, mas acreditando que a água está fria desistimos de nadar e voltamos para casa frustrados. Tendo consciência disso, podemos aprender a mergulhar nas águas do amor, ainda que elas signifiquem um banho frio.

O importante é a percepção de que frustrações desnecessárias geram um sentimento de incapacidade e que a entrega significa lançar-se neste mar — com a força dos braços e das pernas, saberemos fazer nosso corpo esquentar-se e fortalecer-se no amor.

Roberto Shinyashiki é psiquiatra, palestrante e autor de 13 títulos, entre eles: Os Segredos dos Campeões, Tudo ou Nada, Heróis de Verdade, Amar Pode Dar certo,
Sempre em Frente, O Sucesso é Ser Feliz e A Carícia Essencial.

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